Crua, gratinada ou empanada: seja como for, a ostra divide opiniões, mas tem lugar certo no menu dos melhores restaurantes do país; confira dados
Yukiko Kanada/Unsplash
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Você pode amá-la ou odiá-la, mas é inegável que a ostra possui personalidade própria. Consumida ao redor do mundo, ela invadiu os feeds de influencers da gastronomia no ano passado e ainda ronda o imaginário popular por conta de suas pérolas e pelo sabor comparado ao verdadeiro gostinho de mar.
Destacando-se como alimento versátil pela ingestão in natura, no vapor, gratinada, empanada e até em molhos, ela também tem comemoração própria: 5 de agosto é o Dia da Ostra.
Difícil decifrar o porquê da data, mas fato é que, historicamente, os Estados Unidos, um dos expoentes da ostreicultura, celebram o dia com festas e promoções em restaurantes de frutos do mar.
Assim, a comemoração se alastrou mundo afora.
A ostra em números
Mas a maior produtora de ostras do mundo fica do outro lado do Pacífico: a China detém cerca de 85% da produção mundial e também é o maior consumidor do molusco, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Coreia do Sul, Japão, Estados Unidos e França vêm em seguida.
Números do órgão apontam que a produção mundial de ostras em 2020 foi de pouco mais de seis milhões de toneladas. No quadro geral, o Brasil representa pouco desta parcela, em que ocupa recorrentemente a 17ª posição no ranking mundial.
Em solo nacional, Santa Catarina é o estado que mais produz ostras, em que representa mais de 90% do total. Para se ter ideia, foram produzidas 2.085 toneladas de ostras no estado em 2021, em que 1.351 toneladas foram somente em Florianópolis, que recebe a alcunha de capital nacional das ostras. Os dados são do Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca (CEDAP), ligado a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Os outros estados produtores no país abrangem Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pará e Maranhão.
“Não somos um país que é grande produtor de ostras e nem as exportamos. Nossas ostras basicamente atendem somente o mercado interno. A maior parte dos produtores são artesanais e de pequena escala, em que não há grandes empresas, diferente de países como EUA e França”, diz Felipe Matarazzo Suplicy, pesquisador de Aquicultura Marinha da Epagri.
De fato, estes moluscos bivalves, ou seja, que possuem uma concha dividida em duas partes (valvas), são destinados principalmente para o mercado interno: a FAO diz que somente cerca de 8% da produção mundial é exportada.
O frescor é um dos maiores atributos de qualidade da ostra / Saulo Tafarelo
Organizador do livro “Manual do cultivo de ostras”, lançado no ano passado, Felipe Matarazzo destaca que Santa Catarina ganha notoriedade Brasil afora pelo maior volume da produção e por um aspecto cultural.
“A produção das ostras se destacou aqui mais do que nos outros estados por conta de uma capacidade institucional, com a parceria de longa data entre a Epagri e a Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], com pesquisa e extensão. Um pouco disso se deve também pela cultura local mais açoriana, que se difere de uma cultura mais caiçara da região Sudeste”, exemplifica o pesquisador.
A ostra-do-pacífico
A vontade de trabalhar junto ao mar fez com que Vinicius Ramos encontrasse seu ganha-pão na maricultura. Ele é proprietário da fazenda marinha Paraíso das Ostras, que completa duas décadas neste ano e possui 15 colaboradores diários.
A fazenda fica no extremo sul da ilha de Florianópolis, no bairro de Caieira da Barra do Sul, a menos de 900 metros do mar aberto, com acesso a uma água limpa, translúcida, com alta salinidade e composta por fitoplâncton e microalgas – ambiente ideal para produção de ostras.
Parceira do Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC, que tem trabalho pioneiro na produção de sementes de ostras em laboratório desde a década de 1990, a Paraíso das Ostras produz duas espécies: a Crassostrea gigas, conhecida como ostra-do-pacífico, e a Crassostrea gasar, nativa do Brasil.
Se você sente saudades das aulas de biologia, aqui vão alguns termos: há três principais gêneros de ostras no mundo, mas o Crassostrea representa o maior número de espécies e volume. Uma destas espécies é a Crassostrea gigas, a ostra-do-pacífico, a mais cultivada no mundo e no Brasil.
“Ela foi introduzida no Brasil há cerca de 50 anos e é produzida pelo laboratório da UFSC, que faz a reprodução e vende as sementes aos produtores [cerca de R$ 32 o milheiro]. Também temos ostras nativas do Brasil, a Crassostrea gasar (ou brasiliana) e a Crassostrea rhizophorae. Estas também são produzidas em laboratório, mas em outras regiões, como no Pará, os produtores coletam as sementes na natureza”, explica Felipe Matarazzo Suplicy, da Epagri.
Vale aqui um breve histórico: mesmo com indícios na dieta humana há mais de 200 mil anos, os estudos e a produção de ostras no Brasil são recentes. A primeira fazenda de ostras surgiu em 1970 em Cananéia, no litoral de São Paulo, com ostras nativas.
Já a ostra-do-pacífico foi introduzida no Brasil em 1974 no Rio de Janeiro com espécies do Reino Unido. Depois, São Paulo e Bahia também adquiriram a espécie para introdução na aquicultura. Já Santa Catarina a introduziu em 1987. Hoje, a ostra-do-pacífico é baseada apenas na produção de sementes em laboratório, sem captação natural na costa brasileira.
Uma das principais diferenças entre a ostra-do-pacífico e as ostras nativas é que a primeira tem um gosto mais característico de mar, mais salgada, enquanto as outras são mais adocicadas. E ostras cultivadas próximas de sedimento marinho tem sabor mais terroso – o sabor também pode variar com o tipo de microalga predominante na região.
Da água à mesa
A Paraíso das Ostras compra de seis a sete milhões de sementes da ostra-do-pacífico por safra e mais duas milhões de ostra nativa. Do total, cerca de metade sobrevive para comercialização.
Enquanto a reprodução das ostras em laboratório ocorre em determinados meses, a produção nas fazendas ocorre o ano todo. “No verão ela cresce mais devagar e existe uma mortalidade acentuada, com velocidade de crescimento baixa. No inverno, ocorre o contrário: uma taxa de mortalidade baixa e uma taxa de crescimento boa”, explica o produtor Vinicius Ramos.
O maricultor Vinicius Ramos, dono da Paraíso das Ostras, fazenda marinha no extremo sul de Florianópolis / Reprodução Instagram/@paraiso.dasostras
No Brasil, uma ostra atinge tamanho comercial em cerca de oito meses. “Em um mesmo lote de ostras vão ter as que se desenvolvem mais rápido, as do meio e o rabo do lote. Dependendo do manejo, tem produtor que tira ostra em quatro ou cinco meses. A grande maioria sai com oito meses. O rabo do lote pode levar mais de um ano”, conta o pesquisador Felipe Matarazzo Suplicy.
Na Paraíso das Ostras, metade da produção fica em Florianópolis e metade vai para outros estados. Armazenadas em uma caixa de isopor com gelo, elas rapidamente chegam em restaurantes de Curitiba e São Paulo de avião, em que possuem validade recomendada de cinco dias.
O melhor atributo de qualidade de uma ostra é o frescor. Quanto mais fresca, melhor, principalmente a ostra consumida in natura Felipe Matarazzo Suplicy
Na capital do Paraná, as ostras de Vinicius chegam até a mesa do restaurante K.sa, da chef Claudia Krauspenhar, que prepara uma vez por mês, aos sábados, o Oyster Bar, em que é possível degustar entre quatro e cinco variedades de ostras para que o comensal note as diferenças.
Enquanto as ostras de cultivo de Santa Catarina tem concha mais alongada e carne maior, as nativas têm formato mais arredondado e carne menor. Além de poder degustar uma a uma, o comensal tem outras receitas à disposição, como a ostra empanada com Aiöli de Wasabi (R$ 59; seis unidades).
De Florianópolis a São Paulo
Na Vila Madalena, restaurante Cais serve ostras frescas em dupla com mignonette / Bruno Geraldi
Da capital catarinense chegam também as ostras-do-pacífico servidas frescas no Cais, restaurante focado em peixes e frutos do mar na Vila Madalena, em São Paulo. Nas mãos do chef Adriano de Laurentiis elas se transformam em receitas apuradas, como as ostras com mignonette e as com beurre blanc.
O chef explica que os pedidos são feitos até 11h da manhã do dia anterior e chegam em São Paulo às terças, quintas e sábados direto no restaurante. A casa recebe remessas de ostras a cada dois dias e nunca duram mais que o dia seguinte da chegada.
As pessoas estão muito acostumadas com a ostra crua, mostrando até curiosidade quando fazemos elas em preparos quentes. Em geral, aqueles que nunca comeram ostra ou tem algum tipo de preconceito acabam sentindo mais facilidade de provar e se adaptar com os preparos quentes. Já quem está acostumado a comer acaba sempre perguntando sobre elas in natura Adriana de Laurentiis, chef do Cais
Para ele, a ostra com mignonette, tipo de vinagrete feito com chalotas e vinagre, é combinação imbatível.
Já para a chef Bella Masano, à frente do também paulista Amadeus, restaurante tradicional de peixes e frutos do mar na cidade, as ostras com vinagrete de melancia e grãos de bacon estão entre suas combinações prediletas para além do clássico limãozinho.
Amadeus tem cultivo próprio de ostras e as serve como entrada com limão / Ricardo D’Angelo
Servidas o ano inteiro na casa da Rua Haddock Lobo, as ostras-do-pacífico chegam à mesa frescas em seis unidades (R$ 69), as quais provêm de cultivo próprio na Praia do Forte, em Florianópolis, com água entre as mais puras da ilha.
Segundo a chef, “de cada 20 porções que saem na casa, 19 são cruas”, mostrando a preferência dos fregueses por comê-las in natura.
Benefícios, armazenamento e cuidados
A ostra não é somente sinônimo de frescor: uma de suas “pérolas” é que ela também guarda benefícios para a saúde.
“O nutriente com mais destaque nas ostras é o zinco. As ostras de cultivo da região de Florianópolis ainda contêm lipídios benéficos à saúde, incluindo ácidos graxos da série ômega-3, que também é importante para imunidade, e baixo teor de colesterol”, diz a nutricionista Cristina Ramos Callegari.
Segundo a profissional, o zinco das ostras é bem aproveitado pelo organismo humano, em que o elemento tem envolvimento na atividade de mais de 300 enzimas. “Além de ser importante para a imunidade, o zinco ajuda o organismo a funcionar melhor”, afirma Callegari.
Porém, como a ostra filtra a água, é sempre importante checar a procedência em que o molusco é cultivado.
Como se alimentam naturalmente de uma série de microalgas e micróbios, são suscetíveis a ingerir venenos, agrotóxicos e metais pesados em locais poluídos, segundo o Manual de Boas Práticas da Ostreicultura do Sebrae. Assim, elas conseguem acumular produtos tóxicos na carne e o consumo nessas condições pode causar intoxicação alimentar.
“Para garantir a qualidade prefiro indicar o consumo cozido”, ressalta a nutricionista.
Uma ostra não está própria para consumo se ela estiver com a concha aberta. Se estiver entreaberta e fechar, ela ainda está viva. “Mas se não fechar mais, ela está morta. Uma vez morta, ela estraga rapidamente”, lembra o pesquisador da Epagri.
Como ela deve ser consumida em todo seu frescor, alguns cuidados se fazem necessários na hora do armazenamento:
na geladeira, devem estar com a parte côncava para baixo, que é a parte mais “barrigudinha”. A parte plana deve ficar para cima;
dispostas em uma cumbuca, pode-se colocar um pano úmido por cima delas;
elas devem se manter fechadas no período que estiverem na geladeira;
as ostras devem ficar perto da gaveta de verduras e podem durar até 10 dias; o ideal é consumi-las em até três dias;
fique atento à temperatura: se a folha do alface queimar, não é ambiente próprio para as ostras.
“Às vezes nossos clientes exageram no frio. A ostra fica no mar em uma temperatura média de 20ºC. Quando a colocamos em uma temperatura extremamente fria, acabamos por matá-la, já que é um animal vivo”, ressalta o produtor Vinicius Ramos.
Se as ostras são dispostas de qualquer jeito, elas acabam relaxando o músculo e o líquido interno escorre de dentro dela, o que ocasiona seca e uma morte mais rápida.
Como abrir e comer uma ostra?
Com a parte côncava para cima, a dica é pegar uma faca de lâmina curta e colocar o polegar na ponta do utensílio.
“Ache o meio da ostra e, assim que a faca entrar, manuseie-a para que o músculo seja cortado, o que faz com que a ostra se abra. Com ela já aberta, coloque a faca por baixo da carne para que ela fique mais solta. Então, se não tiver talher, chupe as ostras por cima, para evitar que algum detrito vá à boca”, exemplifica Nereu de Oliveira.
Produtor de ostras nativas em Guaratuba (PR), ele deixou de lado a advocacia para se dedicar aos moluscos bivalves e hoje comanda o Sítio Sambaqui, na comunidade de Cabaquara, que possui também restaurante onde suas ostras frescas são servidas.
Aberto de sábado e domingo, o restaurante serve mais de 20 receitas com as ostras: desde as cruas com limão (R$ 61 a dúzia); no vapor com molho pesto (R$ 62 a dúzia) e até no forno com requeijão cremoso e goiabada (R$ 62 a dúzia).
Ostras do Sítio Sambaqui são nativas, com sabor mais adocicado
Crédito: Saulo Tafarelo
Com uma produção pequena voltada para o restaurante e clientes no entorno, Nereu, que também é representante da Associação Guaratubana de Maricultores (Aguamar), busca junto das autoridades a Indicação Geográfica (IG) da ostra Guaratuba, registro conferido à produtos característicos do seu local de origem e que apresentam qualidades únicas.
O cultivo da ostra de Guaratuba já recebeu o título de patrimônio imaterial do município, o qual fica a cerca de 130 km de Curitiba.
E as pérolas?
Não são todas as ostras que produzem pérolas: até pode-se encontrar pérolas produzidas por ostras-do-pacífico ou nativas, por exemplo, mas é algo raro. Entre os tipos de ostras, há espécies que são mais perlíferas, ou seja, que são mais propícias a produzirem pérolas. No entanto, elas não são muito apetitosas, garante o pesquisador Felipe Matarazzo Suplicy.
Em resumo, a pérola é uma partícula de areia que entrou na ostra, a qual produz a madrepérola em volta do grão de areia, que fica presa dentro dela e não sai mais.
“É um corpo estranho que entrou e o mesmo material que ela secreta para revestir a concha por dentro acaba sendo secretado em volta do grão”, explica Felipe Matarazzo Suplicy.
As pérolas cultivadas com esse fim recebem até inseminação do grãozinho por mãos humanas, com substâncias que induzem a formação de madrepérola. “Depois disso as pérolas são valorizadas por serem perfeitamente esféricas. As que não são esféricas são geralmente descartadas para valorizar as perfeitas”, diz.
A tít ulo de curiosidade, o pesquisador diz que há uma ostra no Brasil que é perlífera, a Pteria hirundo, mas de pouca incidência. Que atire a primeira pedra, ou melhor, coma a primeira ostra para tentar a sorte de achar a pérola perfeita.
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