André de Paula reconhece que sua escolha para o comando da pasta recriada no governo Lula foi política e não técnica, mas afirma que trabalhará para elevar orçamento e trazer resultados para o setor
André de Paula - Ministro da Pesca e Aquicultura - Foto: Divulgação Ministério da Pesca e Aquicultura
Nomeado para comandar o recriado Ministério da Pesca e Aquicultura, o ex-deputado federal André Carlos Alves de Paula Filho, ou simplesmente André de Paula (PSD-PE), 61 anos, reconhece que sua indicação foi mais política do que técnica.
Mas não vê como uma desvantagem para sua atuação na Esplanada dos Ministérios. Avalia que poderá usar a experiência no Legislativo e sua relação com os parlamentares em benefício das políticas públicas pra o setor.
Em entrevista exclusiva à Globo Rural, ele afirma que um primeiro avanço na volta da pasta foi elevar de R$ 20 milhões para R$ 300 milhões o Orçamento. De Paula calcula que é pouco e que ainda não sabe quanto seria o ideal, mas promete trabalhar para aumentar os valores, contando com emendas parlamentares.
Entre as prioridades de sua gestão estão a valorização e legalização de pescadores artesanais e a isonomia tributária na ração para peixes. O setor paga PIS e Cofins, enquanto as rações de aves e suínos são isentas.
Também sinaliza concordar com o que reivindica a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), que os alimentos plant based tenham rotulagem diferente. “Peixe é peixe, planta é planta”, repete.
Outro objetivo é conseguir a retomada das exportações para o mercado europeu. A Europa, com US$ 62 milhões por ano, era o maior mercado para o produto nacional até setembro de 2017. Após fiscais europeus auditarem dez plantas brasileiras de exportação e identificarem irregularidades sanitárias em seis, os embarques foram interrompidos.
“O fundamental agora é batalhar pela nova reavaliação. Tendo sucesso nessa pretensão, e teremos, vamos marcar essa passagem aqui por dois momentos: antes e depois de voltar a exportar pescado para o mercado europeu.”
Leia os principais trechos da entrevista.
Globo Rural - A indicação do senhor como ministro surpreendeu. Qual a sua ligação com a pesca e a aquicultura? André de Paula - Não sou uma pessoa da pesca. Tenho a convicção de que a escolha para comandar o Ministério não foi por um técnico e sim por líder político, como eu sou. Tenho 32 anos de vida pública, 22 anos de Congresso, nove mandatos no Legislativo e dois no Executivo. O perfil era de alguém que pudesse reduzir o grau de instabilidade da pasta, que já esteve ligada ao Ibama e ao Ministério da Agricultura, e confirmasse o status de ministério. Consolidar a estabilidade da pasta passa por resultados nos próximos quatro anos. Meu sentimento é que estou aqui, depois de montar um equipe consistente, para liderar um processo com várias questões que passam pelo Congresso, como Orçamento, arcabouço jurídico para modernizar a atividade, equidade tributária para a ração e outras. Ou seja, um líder político para animar a tropa e correr atrás de resultados.
GR - Quais são as suas prioridades nesses primeiros meses? De Paula - Os primeiros 50 dias foram de grande desafio para recriar um Ministério. Tínhamos um orçamento em torno de R$ 20 milhões como Secretaria Nacional da Pesca. Agora, temos R$ 300 milhões. Ainda é pouco, mas é um objetivo que eu vou perseguir. Aí, entra na minha seara porque o Orçamento passa pelo Congresso Nacional. Ter a chancela de um partido com 42 deputados, 15 senadores e o presidente do Congresso (senador Rodrigo Pacheco) faz muita diferença. Outra prioridade da minha gestão é voltar a fornecer para o mercado europeu, que é o maior consumidor de pescado do mundo e era nosso maior cliente até 2017. Na aquicultura, eu destaco a isonomia tributária. Aves e suínos têm isenção de PIS e Cofins na ração e a aquicultura não tem. Para a pesca, isso significa 70% da cadeia produtiva. Na minha conversa com o presidente, quando recebi o convite para assumir a Pasta, falamos sobre isso ele se mostrou claramente favorável. Ele já deu o status de Ministério à pesca lá atrás e agora voltou a fazê-lo. Ele tem a compreensão de que, em um país de quase 8 mil km de costa, que tem uma das maiores reservas de água doce e que faz da segurança alimentar sua maior preocupação, uma atividade como a pesca tem que ter um peso diferente.
GR - Qual seria um orçamento razoável para a pasta? De Paula - Ainda não tenho noção. Tenho como objetivo perseguir o orçamento ideal. Vamos estimular os deputados federais e senadores a nos ajudar a tocar projetos importantes com suas emendas. Acho que apenas 10% dos R$ 300 milhões do nosso orçamento decorrem hoje de emendas, volume muito aquém do que podemos ter. Todo parlamentar, por meio da emenda, persegue ações que possam fazer a diferença na comunidade em que atua, para o seu eleitor perceber que aquele voto mudou sua vida. Tem que ter projetos que lhe deem visibilidade. Essa é a moeda de troca da democracia. Vamos trabalhar para ter esses bons projetos que incentivem o parlamentar a destinar suas emendas para o setor.
GR - Por que as exportações para o mercado europeu pararam? De Paula - Entendo que foi mais uma questão política, mas fomos obrigados a passar por um processo de avaliação. Estou convencido de que o mundo olha hoje para o Brasil de uma forma diferente, devido ao esforço do presidente Lula nas relações internacionais. Há um convencimento dos setores da pesca, especialmente a industrial, de que, havendo uma nova avaliação, venceremos esse desafio. Houve até questões ambientais, mas o fundamental agora é batalhar pela nova reavaliação. Tendo sucesso nessa pretensão, e teremos, vamos marcar essa passagem aqui por dois momentos: antes e depois de voltar a exportar pescado para o mercado europeu.
"Tínhamos um orçamento em torno de R$ 20 milhões como Secretaria Nacional da Pesca. Agora, temos R$ 300 milhões. Ainda é pouco, mas é um objetivo que eu vou perseguir. Aí, entra na minha seara porque o Orçamento passa pelo Congresso Nacional. "
GR - Já existe algum projeto no Congresso para garantir ao setor a isonomia na compra da ração? De Paula - Sim, e o momento é positivo para perseguir essa isonomia. Se o presidente Lula teve a iniciativa de assegurar o status de Ministério à Pesca, isso mostra que ele quer investimentos nessa área. E temos uma frente parlamentar da pesca forte no Congresso. Pretendo ser um bom advogado da pesca e aquicultura e vou defender de forma intransigente o setor enquanto estiver aqui.
GR - O que é possível fazer na prática e de imediato para a pesca artesanal e as comunidades ribeirinhas? Depende de projetos no Congresso? De Paula - Quase tudo passa pelo Congresso. Uma das minhas primeiras medidas foi pedir um levantamento de todos os processos que tramitam no Congresso sobre as diversas áreas da pesca. Fazer uma avaliação rigorosa do que esses projetos têm de positivo e negativo. Muitas vezes esses projetos são o caminho mais rápido para o avanço. Em projeto já existente, podemos pactuar com o Congresso uma emenda que resolva um problema específico do setor. Uma reclamação recorrente do pescador artesanal é a dificuldade de acessar o sistema que o legaliza. Estar à margem da legalização traz, entre outros problemas, a questão do acesso à Previdência Social. Tivemos muitos problemas com pescadores sobre os quais havia suspeição. Tem que ter inclusão no sistema que permita a transparência. Muitas vezes, para quem é de uma comunidade, ter acesso à internet parece um problema simples, mas não é. Legalização, capacitação e preparo técnico desses pescadores é uma prioridade total e vamos buscar parcerias para fazer isso rapidamente. A Defensoria Pública da União, por exemplo, já se colocou à disposição para uma parceria. Podemos fazer um mutirão que envolva os governos federal, estadual e municipal para atuar nas comunidades dos pescadores.
"A mulher tem uma presença muito relevante na indústria pesqueira, no chão de fábrica, na pesca artesanal, nas comunidades originais e tem que ter o destaque que merece" — Foto: Divulgação Ministério da Pesca e Aquicultura
GR - Há vários movimentos de mulheres pescadoras requisitando seu espaço. Como o senhor vai trabalhar a questão? De Paula - A pescadora e a marisqueira serão uma prioridade. A mulher tem uma presença muito relevante na indústria pesqueira, no chão de fábrica, na pesca artesanal, nas comunidades originais e tem que ter o destaque que merece. Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, vamos anunciar um conjunto de iniciativas associadas a outros ministérios para mostrar como a mulher é prioridade. Só o fato de estar ainda discutindo essa questão depõe contra nosso país. Temos que resolver isso rapidamente.
GR - Quantos pescadores recebem o seguro defeso hoje e quantos são mulheres? Nos últimos anos, houve várias notícias de fraude e muita reclamação dos pescadores. Como resolver? De Paula - Recebem o seguro defeso cerca de 900 mil pescadores no total, mas não sei quantas são mulheres. Para evitar fraudes, um programa como esse e o Bolsa Família devem ser escrutinados de forma permanente. O pior sentimento é você fazer esforço para corrigir uma distorção e perceber que existe gente de má-fé, que usa parte dos esforços de forma inadequada. É uma forma de desmoralizar o programa, de fazer com que as pessoas tenham uma percepção muito errada. O seguro é uma questão de sobrevivência: ou o Estado assiste o pescador ou ele não sobrevive. Ouvi da ministra Marina Silva, e sempre levo isso comigo, que temos que trabalhar sempre para manter a figura do avô pescador, do pai pescador e do filho pescador. Hoje, não há encanto para estimular a nova geração. Precisamos fazer com que os jovens se sintam apoiados e estimulados a persistir na vocação que lhe chegou do ponto de vista familiar.
"Ouvi da ministra Marina Silva e sempre levo isso comigo que temos que trabalhar sempre para manter a figura do avô pescador, do pai pescador e do filho pescador" — Foto: Divulgação / Ministério da Pesca e Aquicultura
GR - O senhor fala em muitas prioridades. Pesca e aquicultura têm realidades bem diferentes. Alguma área vai ter prioridade sobre outra ou precisa de mais cuidado ou orçamento? De Paula - Meu perfil é o do diálogo. Vou trabalhar pela harmonia entre as distintas áreas. As políticas que fortalecem os dois setores são distintas, mas podem ser harmônicas. Por isso, temos secretarias distintas como a de Pesca Industrial, da Pesca Artesanal, da Aquicultura, com equipes próprias. Cada um tem que ser advogado de sua área.
GR - Como o senhor formou sua equipe? Aproveitou quadros técnicos da gestão passada? De Paula - Sempre trabalhei no Executivo vinculado à questão de mérito. Mais de 80% do pessoal do ministério já estava na secretaria. Conversei muito com o ex-ministro Gregolin [Altemir Gregolin foi ministro da Pesca de 2006 a 2011 e era cotado para reassumir a Pasta], que coordenou o GT (de Pesca na transição). Ele me deu muitas sugestões. Como ministro é um líder político, precisa ter ao seu lado um braço técnico forte. Na escolha do meu secretário executivo, Carlos Melo, levei em conta o currículo, mas sobretudo a longa trajetória que ele construiu dentro do setor.
GR - Um dos problemas graves da pesca são dados e estatísticas. A ONG Oceana, por exemplo, aponta essa falta, dizendo que o país não sabe quais são seus estoques pesqueiros, se está pescando a mais, com risco à sustentabilidade. Como fazer o Brasil ter dados confiáveis? De Paula - A falta de dados realmente é um problema gigante de um país que é gigante, de dimensões continentais. É muito ruim trabalhar no escuro e é o que tem acontecido com a pesca. Temos hoje uma Secretaria Nacional de Pesquisa e Estatística que vai cuidar dos dados e estabelecer parcerias para avançar. Flavia Lucena, professora da Federal Rural de Pernambuco, que assumiu essa secretaria, tem a exata noção do desafio que tem em mãos. Vamos colocar isso como uma das nossas preocupações centrais. Precisamos começar a ter clareza e nitidez sobre a realidade da pesca no Brasil. Sou muito otimista e acho que em quatro anos podemos avançar muito na solução.
"Recebem o seguro defeso cerca de 900 mil pescadores no total, mas não sei quantas são mulheres. Para evitar fraudes, um programa como esse e o Bolsa Família devem ser escrutinados de forma permanente."
GR - Recentemente, houve uma grande polêmicacom a divulgação de que uma bactéria (Klebsiella pneumoniae) ameaçava seriamente a produção nacional da tilápia. Depois, técnicos e pesquisadores disseram que não havia motivo para pânico. O que o Ministério pode fazer para preservar a sanidade da produção? De Paula - São questões importantes que precisam ser acompanhadas. Vamos ter uma equipe técnica que vai participar desse processo para nos apoiar em eventuais correções de caminho, mas não tenho muita preocupação com isso.
GR - No fim de 2021, a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) entrou com uma ação civil pedindo a retirada das prateleiras de produtos de base vegetal que simulem proteína animal. Como o senhor se posiciona sobre a rotulagem dos alimentos plant based de sabor peixe? De Paula - Acho que esses alimentos têm que ter uma regulação própria. Peixe é peixe, planta é planta! Concordo com o posicionamento da Abipesca.
GR - Por que o peixe, alimento considerado mais saudável que outras proteínas, é bem menos consumido no Brasil que carne bovina, frango e suínos? [O consumo per capita de peixe no Brasil é estimado em 10 kg, ante os 90,9 kg de carne bovina, 45 kg de frango e 18 kg de suínos.] De Paula - Acho que essa questão mexe com questões culturais. É preciso gerar o hábito para o brasileiro consumir peixe. Quando eu era secretário de Produção Rural em Pernambuco, tive o privilégio de definir os itens que integravam a merenda regional e incluí a tilápia, que temos em abundância no sertão do São Francisco. O curioso é que isso foi muito celebrado pelo setor, não por questões econômicas, mas por ajudar a criar um mercado. Estudantes passaram a consumir e gostar de peixe. São necessárias ações de publicização desses fatores benéficos de consumo do peixe associados com ações culturais. Um grande desafio é avançar nesse consumo. Não é inatingível.
GR - O que o ministério pode fazer para elevar esse consumo?
De Paula - Vamos fazer campanhas publicitárias, chamando a iniciativa privada para participar. Os setores me pedem para usar o peso institucional do ministério para uma ação planejada com investimentos dos interessados em promover esse consumo. Esse é um investimento que certamente dará retorno.
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